No seu artigo intitulado “As trampas deste sistema político e o País”, Xoán Carlos Carreira tratava sobre “a convivencia entre organizacións políticas diferentes”, tratando como perversión e como trampa o sistema político “deste tipo de democracia”, que levaria a “impedir que avancemos cara unha sociedade mais xusta, libre, democrática e humana”. Refere-se Calim à consideração como principal concorrente da força política própria aquela mais afim.
A lógica dominante é afirmar como incontornavelmente melhores as ideias próprias, impossíveis de ser objeto de transação; as pessoas e os grupos que as sustentam consideram a si mesmos e as suas posições moralmente superiores, derivando disso que qualquer cedência implica a perda da pureza ou da validade. Normalmente, estas atitudes ocultam interesses mais corriqueiros, mais concretos, de posições a não perder de quem pode conservá-las sem grande custo (por outras palavras, a posição e o sustento dessas pessoas ou grupos, se não negoceiam, podem continuar mais ou menos intactos, sem grande merma porque perdem pouco ou nada), ainda que, assim fazendo, não melhore a vida dos setores que invocam apoiar; pensam mais neles que naqueles setores para quem dizem trabalhar. Mas, em muitos casos, estas pessoas e grupos acreditam que isso é o correto, não albergam perversidades intrínsecas.
Mas eu acho, Calim, que a perversidade não é do sistema político: é dos grupos e agentes e as suas lógicas atuando neste sistema político, muita dessa perversidade já interiorizada, sem reparar na sua existência …
Trata Calim, na continuação, do nacionalismo [galego] manifestando não entender (vindo de Calim, não sei o que isto tem de retórica ou de franqueza; a sua bonomia leva a considerar esta segunda possibilidade) por que o convívio entre elas não é melhor. Temos já idade bastante para saber e ter visto que determinadas posições ou ideias políticas que num momento eram proscritas ou repudiadas ou desprezadas, acabam por ser, em surdina ou alta voz, ao sabor- depois promovidas, aceites, apreciadas (o próprio Calim coloca exemplo disso)… As ideias estão subordinadas aos interesses e posições dos grupos em questão, educadas no hábito, fanático (herdado de posições marginais ou de clandestinidade?), de que ter razão é o princípio fundamental; e que ter razão é o que define as pessoas e grupos em questão [esse ter razão, que é o assunto supremo, é de conteúdo variável, sempre que para o grupo social de referência funcione e a -nova- razão– seja aceite). A índole instrumental dos partidos, como meios, fica relativizada, deste modo, em função desses interesses. Por vezes, a criação de novos partidos ou entidades obedece a essa mesma lógica, se os próprios interesses não podem ser satisfeitos. Mas nem sempre estes são puramente egoístas; nem mesmo sempre são esses os motivos.
Esse funcionamento tem fáceis mecanismos de retro-alimentação, bastante simplistas. Lembre-se o fácil que pode ser condenar ou alcunhar de traidor a quem mudar de posições sem a autorização do grupo a que pertence; e que seja expulso do grupo. Em muitos casos, essa pessoa parece que ainda quer manter lealdade ao grupo mas o grupo não aceita mais do que fidelidades… Doutro ponto de vista, muitas pessoas mudam de partido, criam outro, vão para casa. Como muitas mudam o sentido do voto. Essas mudanças só são explicadas, sumariamente, por interesses egoístas de quem muda. A preguiça e, sobretudo os interesses de grupo e, dentro dele, d@s que nele permanecem, não podem operar doutro modo. Mas há muitas outras razões para a mudança, entre as quais, a possibilidade, esta mui legítima, de fazer cousas que os constrangimentos do grupo originário impedem fazer. Ou de sentir-se melhor fazendo política no novo grupo (claro que, não poucas vezes, há outros motivos e lógicas espúrios, mesquinhos; mas, noutras, não). Entre essas motivações, está também o reconhecimento que no grupo originário não se obtém (de facto, tenho a impressão de que, sendo todos os partidos obedientes a estas lógicas, no PP é menos difícil alcançar posições ou postos por méritos, conhecimentos ou potencial ou real sucesso, que nos outros partidos; porque no PP há mais lógica do pacto interno, interesseiro ou não; e esta pode ser umha das razões do seu êxito). Bem interessante seria um trabalho de sociologia/antropologia política que analisasse por que e para que pessoas mudam de grupo originário. Estou certo que o fator humano, tal como aqui insinuado, afloraria de maneira determinante.
Calim cita, mui oportunamente, Llach, porque ele acredita na bondade das palavras valiosas para avançar; mas, em geral, esse pessoal quer ganhar, não compartir.
Mas, além das que fum indicando, tenho algumha discrepância e algumha nota complementar mais ao expresso polo Calim: nesta ordem de cousas, quais os interesses que “lexitimamente” pode ter umha organização? Essa legitimidade não deve existir se pensarmos numha ótica como a que Calim expressa de avanço e melhoria da qualidade de vida para os grupos sociais de que fala.
De modo magistral, Calim indica três razões para não entrar no debate político atual, que devo citar:
A primeira é que estou bastante desconcertado e mesmo non sabería como defender ben as miñas posicións. A segunda é que estou perdendo o interese por ter a razón. A terceira é que a min me gostaría participar en debates que permitiran a elaboración dun pensamento colectivo incorporando distintas posicións (sobre todo as máis valiosas) e sen embargo vexo que isto é case imposíbel nun tempo onde os debates se teñen convertido en batallas dialécticas nas que o obxectivo é gañar, mesmo aniquilar (dialecticamente claro) a persoa considerada adversaria.
Concordo. E aqui é onde eu introduzo mais umha vez o fator humano como decisivo. Para determinados grupos humanos, é mais prazerosa a pulsão da confrontação do que a pulsão do acordo. Esse fator emocional costuma estar ligado a um perspetiva também sentimental das próprias ideias ou símbolos. Falta empatia, sobretudo com aquelas pessoas para quem se crê lutar para melhorar as suas vidas.
Há alguns anos, nos tempos do governo bipartido da Junta da Galiza, tinha oportunidade de expor a dous bons amigos que, daquela, tinham responsabilidades naquele governo, isto mesmo, em plena crise interna do BNG e do tal governo: que BNG e Governo poderiam implodir e explodir por ausência de empatia, não por ausência de ideias ou programas compartidos numha dimensão mais do que bastante. Porque, para mim, é mais fácil trabalharem juntas e chegarem a acordos pessoas entre as quais existe empatia, confiança, cordialidade, ainda que tenham posições mais distantes politicamente, do que com pessoas que, eventualmente, estão mais próximas politicamente, mas às quais a antipatia, ou a indiferença, a desconfiança e a falta de cordialidade conduzem a não sentar-se à mesa; ou a sentar-se só para ganhar ou para constatar que pactar é impossível; ou a pactar só se se pode dizer que ganhamos ao outro grupo. Este fator humano é decisivo e convinha tomá-lo em consideração. Só que é desprezado porque, além doutros problemas, ele destrói a lógica dos grupos tal como vimos descrevendo (incluindo a vigilância mútua) e passa a situar o que denomino confiança estrutural (pensar que tod@ @ companheir@ tentará dar e fazer o melhor possível) no centro das cousas políticas do partido ou entidade. Ao tentar pactar, assim, com @s Outr@s, entre outras muitas cousas, aprende-se, o qual pouca cousa não é… E sabe-se mais para aplicar melhor.
Mas aprender para melhorar, mesmo isso implicando abandonar crenças ou instrumentos menos eficazes por outros, não é desejado, porque o objetivo supremo é a própria auto-afirmação.
Isto é, claramente, ingénuo, certamente, para a paróquia em geral, devedora da lógica superiorista e incapaz de ver como foi historicamente construída a sua crença. Mas é gratificante, em todos os sentidos desta graça. E, também, mui útil, muito mais que o deste persistente 20% que, no melhor dos casos, não se consegue superar no apoio de quem é invocado ser objeto da ação política…
(E acho errado, dito seja de passagem, pensar que os relativos sucessos de En Marea, no imediato passado, se devessem, além de conjunturas políticas favoráveis, à pura soma dos votantes espaços sociais que cada grupo que constituiu essa formação representava: não dariam as contas. Polo contrário, acho que se deve ao surgimento dum espaço percebido polas pessoas potenciais votantes como mais próximo dos fatores humanos que elas querem ver refletidos. E a sua crise e baixa espetacular, deve muito à perceção da ausência de proximidade do dito fator humano, mesmo no reconhecimento da eventual ineficácia ou incapacidade).