Ontem morreu Chita, cadela que levava conosco três anos e meio ainda que vinhera num final de verão com um mal prognóstico que augurava que quiçá não chegaria ao inverno… Aos dous meses, escrevim (como fizem noutros casos) esse texto que aí vai. Chita, como os outros animais que convivem com a minha companheira e as nossas filhas, conformam a nossa família. Isto é sentimentalismo e é realidade.
Não sou um entusiasta dos animais nem convivo com eles como animais de companhia nem de estimação. Quero-os como podo querê-los. Mas, no meu caso, a única razão que me força a ter adotado alguns e com eles conviver, o único motivo que é condição necessária e suficiente, é um dever moral: contribuir (com quase nada, é verdade) para reparar o mal que a nossa espécie causou e causa neles; o nosso desprezo pola sua vida, pola vida da Terra, que é umha terrível forma de desprezo pola própria Humanidade. E, assim, de passagem, nesse convívio, tentar evitar ser pior do que sou: parecerá patético ou ridículo mas conforta-me que é verdade.
Chita veu com, calcula-se, 10 anos e meio a viver conosco e levava 10 anos no “Refuxio de Bando”, em Santiago de Compostela. Preferimos acolher animais de idade avançada por serem menos suscetíveis de adoção e levar mais tempo padecendo condições de vida duras. Também nos é mais fácil conviver com eles. Conservamos sempre o nome dos animais tal como forom batizados no “Refúxio” ou nas associações com que mui precariamente colaboramos.
O que umha vida vale, Chita!
Caso houver dúvida,
estão os teus olhos
e essa boca aberta à procura de tudo o que a vida seja!
E a vida és tu, olhos e boca para pasmar o mundo,
Cauda como um diapasão natural do teu ritmo único
Ou a antena mais precisa para captar a energia de viver.
Aí chegaste,
Trazendo a notícia de centos de seres recluídos,
Despejados,
Dispostos à dignidade roubada
sem mais troca que a de que gritem o seu nome
e passem a sua mão por tantas feridas,
por cada mão
a maravilha dos teus olhos agitados,
aquele teu diapasão perfeito,
a tua boca nunca claudicante.
Chitinha,
Nossa rinocerontinha,
Nossa pequeninha de qualquer caminha,
Nossa heroína,
Que bom falarmos de tu a tu,
Que me contes o que encontraste a dez metros,
Que corras ao nosso lado,
Que aspires a apanhar pombas impossíveis,
Que saques a língua como se percorresses dez maratonas,
Pedindo outras dez mais.
Que descubras teus irmãos, tuas irmãs,
Aos assaltos,
Às persecuções
Às carreiras de corredor e chimpo ao sofá semi-ocupado.
E que não entendas nada
Dando assim sentido às cousas todas!
Ai, Chitinha,
Fala-nos,
Por favor,
Das tuas aventuras quotidianas,
Dos teus quefazeres,
Das tuas ânsias,
Para adormecermos na noite contigo,
Toda a troupe,
Contando estórias de ir polos caminhos,
De passar rios, de subir montes,
De enxergar ao longe, ao lado teu,
Mais um carreiro, mais umha ponte,
Para irmos cantando e perguntando a quem passar,
Melro, moucho, pato,
Qual será bom lugar para acampar,
Em que fonte beber,
Onde parar para jantar,
Sabendo que, ao fim,
Tanto fará.
Bastará,
Para a felicidade,
A tua existência.
seguir sempre o teu rastro.
A verdadeira bondade humana só pode manifestar-se, em toda a sua pureza e liberdade, em relação aos que não têm poder. O verdadeiro teste moral da humanidade ( o mais radical, situado a um nível tão profundo que escapa à nossa percepção) reside na relação que mantém com os que estão à sua mercê: os animais. (O filósofo e o lobo – Mark Rownlands).
Creio que Chita não se arrepende um só segundo da família que escolheu para viver os seus dias.
Obrigado, Carlos Ferreira. Penso exatamente assim. Não sei se ela se arrependeu em algum momento Sei o quanto nos deu sem nós procurá-lo: amar a vida