Queda demográfica (e oportunidades)
O terceiro assunto pode ser definido de muitas maneiras: queda demográfica é umha delas; crise demográfica, perda de população… Qualquer delas apresenta um matiz diferencial. Como for, tem decisivas implicações económicas, sociais e culturais. Pensemos que é um caso com (algum) remédio. E meditemos a partir da dúvida metódica que Xoán Carlos Carreira (Calim) sistematicamente coloca: é mau perder população? Ou, o que é o mesmo no que implica: qual a necessidade de termos mais o menos população onde e fazendo o quê?
Culturalmente, é verdade que expressa umha tragédia e um fracasso. E que coloca perspetivas problemáticas e controversas; por exemplo, a perda, em muitos casos por impossibilidade, da cultura da família (seja na composição parental que for) com crianças (o qual nada tem a ver com as legítimas decisões de quem decide não ter filh@s); e também a perda do sentido de estirpe e continuidade biológicas ou culturais (não necessariamente sanguíneas); perspetivas facilmente criticáveis mas provavelmente decisivas para garantir a continuidade da comunidade, dumha cultura, dum modo de vida. Em todo o caso, não é apenas num plano individual onde parece situar-se a questão central.
A nossa é umha comunidade que caminha para o fracasso como tal neste âmbito porque não é capaz de manter e desenvolver o ecossistema que foi criando, provocando desequilíbrios ambientais, sociais, económicos, que vão colocar, que colocam já muitos setores populacionais em risco de exclusão e pobreza por falta de recursos ou impossibilidade de acesso a eles. Tragédia a que se une a falta de cuidados de pessoas, animais, ambiente e territórios e o feroz individualismo em que estamos inserid@s e formad@s. E também a infelicidade que produz que comunidades inteiras não vejam crianças ao seu redor ou mui poucas: esse alerta antropológico que assoma nos olhos e na face das pessoas de mais idade quando veem crianças a brincar nos seus espaços e que não me parece cousa menor.
Por trás dum certo fatalismo na situação demográfica da Galiza, evita-se enfrentar, a meu ver, de maneira rotunda e global, o problema. Ele tem muitas arestas, certamente; e temos especialistas que bem poderão dar conta do recado. Devemos decidir, por caso, se queremos apoiar as pessoas e as famílias que querem ter filh@s (biológic@s ou adotados), com independência de que cada quem os tenha ou não, por ser isso bom para a nossa sociedade (eu penso que é). É umha decisão política e coletiva. E cuidá-las e dar os meios que facilitem a sua vida; e determinar quais meios são os melhores. Aquele fatalismo nutre-se dumha continuada emigração de pessoas, umhas melhor formadas para determinados trabalhos do que outras, mas sangria, ao cabo, de quem poderia estar aqui, produzir aqui e criar ou acolher aqui. Que voltassem, se o desejassem, deveria ser um imperativo político. Chama-se repatriação, e não numha aceção patrioteira. Outro fator decisivo é a falta dumha política de receção e acolhimento de imigrantes e, hoje, fundamentalmente, de pessoas refugiadas, que fogem do crime nos seus lugares de origem. É umha tragédia que pode dar como resultado que, na sua ajuda, nos ajudem e nos ajudemos, ainda que não deva ser o objetivo da solidariedade qualquer elemento de troca. A povoação do rural parece que é prioritária para o nosso país e gente. Há aí umha oportunidade de apoiar e acolher, com um plano global de integração laboral e social; e cultural. Quem vinher, sempre virá com riqueza essencial para a nossa comunidade, ao integrar-se nela com a sua cultura de origem.
Umha cultura que nos permitisse reter o que temos e integrar o que vem ou o que não temos parece que seria importante. Também por outra razão: a razão de agir, de fazer cousas, de sentir que há cousas que se movem para melhor, em vez da progressiva imobilidade, estatismo, pasmaceira em que bastante andamos.
Parece que deve haver umha ação decisiva nisto tudo. Custará dinheiro? Claro. De onde tirá-lo?
Vejam no andar de cima, o caso do AVE, e reconvertam esse dinheiro nesse plano; se o dinheiro do AVE fosse para um vasto plano de acolhimento e integração de refugiadas e adoção de pessoas como filhas das famílias. Bom era que nos habituássemos a algumha soberania de decisão e tomadas de decisão e prioridades com algum alcance, que não passa só por ter competências político-administrativas mas por investir dinheiro próprio porque a causa o merece: um peso, gasta-se, se a pena valer! Andam aí em jogo elementos de coesão comunitária e desenvolvimento auto-centrado, soberano, que convinha percorrer ou, ao menos, pensar sobre eles: os concelhos podem iniciar boas experiências neste sentido, com apoio económico doutras instituições. Isto tem, aliás, outro efeito nada desprezível: a satisfação de agir e tentar projetos coletivos.
Entretanto, bom seria começar um plano global de aprendizagem d@s velh@s. Estamos num momento em que assistimos a um corte emocional e instrumental decisivo entre as gerações. Acho que a minha, sensu amplo, é a primeira que carece já dos saberes das gerações anteriores; saberes domésticos e quotidianos, por exemplo. Bem vinham para estes tempos de crise, mas vinham ainda melhor para a nossa melhor relação com a gente e o território e os recursos. E lazeres também, formas comunitárias que podem ser recuperadas e atualizadas com sucesso. Caminhos há já andados com êxito. Precisamos tradição, no sentido que G. Mahler a definia: não o culto das cinzas mas a preservação do fogo, como bem lembrava Xosé Manuel Sarille há pouco (http://praza.gal/opinion/4851/tempos/): bom era refletirmos e avançarmos ao redor desta ideia…
Aplicar lógicas de transição pode vir-nos mui bem para isto tudo; fica para outro artigo a tentativa de explicá-lo.
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