Espaço público, Cultura, Política, Comunidade, Território, Pessoas

Estórias de autocarro e maioria social

Dia de chuva, felizmente habitual para a riqueza desta terra. 8,45, cai bastante, está um vento grande. Três pessoas esperam o autocarro urbano à intempérie; umha criança com aspeto de rondar os cinco anos; quem seu pai parece; umha mulher de bastante idade, de bordão e cesto pesado na mão; mais duas pessoas chegam, um homem de idade indefinida (cinquenta e tantos…?) e mais umha jovem; a intempérie não parece compadecer-se muito com a narrativa de Santiago de Compostela como cidade acolhedora: ao menos com quem a habita neste seu quotidiano, esta representação da sua maioria social que aqui está à espera, está fria a manhã também. Não há amparo, nem marquise nem marquesinha há; esta representação da maioria social não tem onde abrigar-se: mal pai o desta criança que ali a tem, nesse estado, com a sua capa de chuva e carapuça como toda a proteção. Bem podia andar um pouco e levá-la para a rua da Senra; alá tampouco há marquise mas ao menos há umha pequena entrada onde colhem bem quatro pessoas dum prédio agora por alugar; claro que pode haver mais gente ali… Teria que ir até ao Mercado, 850 metros de onde estão; lá há um belo exemplar de marquise, que não ampara muito mas é exemplo de transparência, ainda bem, fosse metonímia da política; ou descer a rua do Pombal, mas não vão encontrar em mais dum quilómetro marquesinha nem alpendre… Chega o autocarro, são agora 8. 54; tanto pode passar às 8.43 como as 9.01, informação não há oficial; algumha aplicação de móvel de funcionamento irregular… nem painéis que digam algo; nem carril-bus que o ampare, a ele também, para chegar em tempo que não se sabe bem qual é… Aquele homem de idade indefinida passa à frente: não é costume fazer fila nesta cidade para entrar no autocarro segundo se chegou. Pior é que o homem, pola atitude símbolo requintado do micro-individualismo, não entre um pouco mais para a frente do autocarro para deixar resguardar-se à senhora de idade que já estava na paragem; à frente passa também umha mulher, de meia-idade, que trabalha numha loja da parte nova mas que utiliza um cartão de pensionista, como reflete a indicação da máquina ao validar o seu (?) título de transporte.

Boa parte desta maioria social não chegará em tempo à atividade que tinha prevista; mas para isso não parece estar o transporte urbano.
Mais representantes da maioria social estão no veículo, entre elas duas estudantes que ocupam o lugar reservado para pessoas com problemas de mobilidade; nem se imutam perante a senhora de bastante idade asida como pode à barra ao lado do motorista; nem gesto de ceder o lugar; os dous lugares que ainda estavam vagos forom ocupados pola jovem e o homem de idade indefinida: a senhora e o o cesto desequilibram-se quando, o motorista, que vai já bem atrasado e não cumprirá o horário nesta ainda sua terceira carreira do dia, faz o primeiro movimento para arrancar; primeiro e por enquanto, único: passarom vários carros à frente, alguns de quem pára para deixar crianças no licéu onde a paragem está mas, quando o motorista encara a estrada, um polícia local manda parar o autocarro para deixar passar pessoas pola passadeira; é quase costume, como sabe o motorista e o pai da criança que está, nesse momento, segurando-se melhor, polícia parar o autocarro (há ali dous semáforos que nunca funcionarom; no seu mutismo aparentam ser parte dumha performance…); afinal, o autocarro é transporte público e coletivo: quase da casa, que pare… 8.56 horas e, sim, certamente, aconteceu isto tudo, e ainda o autocarro não se moveu. Continua chovendo, agora lá fora, e um pouco dentro ao escorregar águas de calçados e agasalhos de quem está no autocarro. Boa parte desta maioria social não chegará em tempo à atividade que tinha prevista; mas para isso não parece estar o transporte urbano. Na realidade, nisto nada parece ser como devera.

Sobre o autor

Elias J. Torres Feijó

Tenta trabalhar coletivamente e acha que o associativismo é a base fundamental do bom funcionamento social e comunitário. A educação nos Tempos Livres é um desses espaços que considera vitais. Profissionalmente, é professor de Literatura, em origem, e, mais, na atualidade, de Cultura.

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Xoán Carlos Carreira Pérez

Doutor engenheiro agrónomo, professor de Engenharia Agroflorestal na Universidade de Santiago de Compostela. Autor de vários livros e artigos científicos, tem colaborado em diversos meios de comunicação, como A Nosa Terra, El Progreso, Vieiros e Praza Pública.

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Polemista e tamén escritor. Autor do ensaio "A Causa das Mulleres". A quen lle interese lelo pode solicitalo neste blog e enviaráselle ao enderezo correspondente sen custo ningún do exemplar nin do transporte.

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Espaço público, Cultura, Política, Comunidade, Território, Pessoas… Viva Cerzeda é a comemoração, para nós, da amizade, do bom humor sempre que possível e de tentar contribuir com algumhas ideias e opiniões para entender(mos) e atuar(mos) do melhor modo o mundo… É ambicioso mas é-che o que há… e para mais não damos…

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