Filhas,
Porque nunca haverá tempo bastante para vo-lo dizer,
Pedirei aos amigos que vos digam quanto vos amei.
Sei que eles irão limar bem todas as insuficiências, todos os excessos, todos os erros.
[A amizade é assim, bate dentro para acariciar fora].
Sou um pouco pilho, é verdade: é pose para tentar imitar, levemente, o brilho dos vossos olhos,
Dos vossos olhos que me miram como o mais formoso desafio.
Por isso prefiro que sejam eles a contar-vos que eu vos adorava, como agora vos adoro.
Não chegará o agradecimento à amiga que lembrará que esse gesto era de teu pai e que só de imaginar-cho a vida valia a pena.
Não teria eu energia bastante para colmatar o abraço
a quem vos deixe um pouso de melancolia na mirada fugaz
ao contar-vos as minhas aventuras infantis, o lugar de acampamento,
o rio que tanto amei, caudal arauto permanente do meu amor multiplicado.
Vossa mãe pode dar fé de que todos as montanhas percorridas, os animais todos vistos e sonhados, eram a mais bela paisagem que para vós idealizávamos.
E que as gentes maravilhosas que foram integrando a nossa vida,
esta mesma que aqui fazem palpitar, pulso a pulso,
estão hoje convosco como histórias do melhor legado.
Acompanha-me a bela saudade de fantasiar isto tudo
para quando eu não estiver,
Filhas,
E agradeço que tornássedes por um instante o olhar para atrás
Para ver-me,
ao longe,
na volta do velho caminho que fica às vossas costas
no vosso barlavento,
e dedicar-me o aceno ligeiro que,
sem magias,
me construiu feliz
e coseu estas palavras na vela que me destes.