Dous subgrupos sociais, de diverso perfil sócio-económico e diametralmente opostos nos seus usos linguísticos convergem no rejeitamento ao que julgam políticas de imposição do galego. Identificam-se com facilidade em artigos, declarações, manifestos e manifestações que, mais do que propor um status para as duas línguas de circulação maioritária na Galiza (provavelmente sentem-se relativamente à vontade com a preeminência político-jurídica do espanhol e a aparência de equilíbrio social do galego), se invoquem como contrárias ao que denominam imposição do galego.
Um primeiro grupo está constituído por indivíduos pertencentes fundamentalmente a novas classes médias e médio-baixas, de uso preferencial ou quase exclusivo do espanhol; numha gráfica que Luís Cuntín apresentava, nos XVIII Encontros para a Normalización, como resultado dum trabalho de campo sobre as atitudes linguísticas da juventude, para o Consello da Cultura Galega, aparecia descrito um grupo como “monolíngües intolerantes en castelán”, herdeiros ou continuadores, acrescento eu, dos seus maiores…; havia, também, um grupo de monolingues em galego, dominantemente masculino, que fazia uso deturpado do galego, escondendo, dizia-se, algumha frustração nas expetativas; e outro, de maioria feminina, que usava um “rexistro popular”, do idioma. Nestes há também herdeiros e continuadores, nutrido por velhas classes populares e médio-baixas, de uso preferencial ou quase exclusivo do galego ou para quem o galego é a sua língua primeira.
Alguns destes monolingues em galego convergem com alguns monolingues em espanhol na hostilidade a medidas de normalização (fica para outra oportunidade a crítica a este conceito no seu uso para a Galiza atual) do galego.
Se se encontrarem, manifestam a sua convergência na crítica: é intolerável: o que é o que os incomoda? Além de inquéritos que abordam de maneira tangencial esta questão, não conheço trabalhos sobre o assunto. Isto força a ser aqui puramente intuitivo e impressionista; também não é pouca cousa isto…
Para os dous grupos, o galego não é um idioma nacional, não tenhem umha perspetiva dele como língua nacional, ao menos ao nível do espanhol; o primeiro grupo, G1, considera-o um problema, um mal que há que suportar e com o qual por vezes há que conviver, mas que é preciso estar degraus por baixo do espanhol; o segundo grupo, G2, nunca o viu como tal: para ele, para os seus e as suas integrantes, é o seu veículo de comunicação social no seu entorno (substituído, quando, a seu juízo, a situação o demandar, polo espanhol), e familiar; e o seu modo de relação entre iguais. Nisto tudo há matizes e gama de cinzentos, naturalmente.
Para os dous grupos, está em jogo de maneira inversa, o seu poder simbólico, a sua perda ou a sua carência. O G1, que costuma integrar a setores dominantes no espaço social (exceção algumhas pessoas procedentes da imigração espanhol-falante, para os quais constitui um capital importante na sua precária situação), vê o eventual uso do galego em contextos formais como umha perda da sua posição no espaço social: situações em que a sua pobre competência linguística ou a sua ideologia (defendendo o seus status e posição), diretamente, diminuem a sua capacidade de dominância e controle: vivem o seu uso como umha perda. O G2 não está interessado na tal normalização porque não lhe confere nengum benefício direto; porque até costuma vê-lo como impostura e como um investimento desnecessário; e porque o seu instrumento de progresso (dele, sobretudo, da sua estirpe, da comunidade histórica a que pertence, e dos exemplos quotidianos a que assiste) é o espanhol; e não, o seu galego (por vezes oposto ao refinado que veem em determinadas elites).
Para os dous, é um jogo de poder simbólico e de procura do benefício material; os dous, quando convergem, não podem declarar as suas razões últimas (desprezo e ressentimento num; ressentimento e pragmatismo noutro), porque teriam que gerir complicadamente as suas diferenças, razões de classe e grupo social, determinações sociológicas, etc.; por isso os dous coincidem manifestando-se polo progresso e a liberdade: dous conceitos que não estão nas suas razões, ao menos, nas fundamentais e primeiras. Mas, enfim, falta trabalho de campo e análise fina para saber mais sobre isto… Se se quiger trabalhar para fazer do galego um referente e um instrumento de coesão social, mais que insistir sobre usos (e identificá-los com o vigor social da língua) é sobre poderes e capacidades, apoios e afetividades sobre o que convém insistir, segundo grupos sociais, de mui diversa segmentação.