Espaço público, Cultura, Política, Comunidade, Território, Pessoas

Ocupad@s

(deixemos agora o terrível eufemismo, a crua mentira que distingue entre ocupad@s e desocupad@s segundo as pessoas tenham um emprego, qualquer, e recebam dinheiro, qualquer, por ele).

Umha das grandes conquistas do capitalismo atual, avançado, de mãos dadas com o neo-liberalismo, é a perda de sentido coletivo da vida: o enfraquecimento da solidariedade e da ajuda através do Estado, minguadas as redes sociais de apoio mútuo, são frequentemente substituídas polo feroz individualismo: que cada quem solucione a sua vida, que cada quem já tem bastante com a sua. Chega com ver determinado urbanismo (e ruralismo) moderno e o seu homólogo económico de grandes superfícies e atividades extra várias para entender o individualismo gregarista em que vivemos.

Estamos tão ocupad@s, que iremos a terapia o dia que reparemos que não era verdade; que não estávamos tão ocupad@s; que nos desorganizarom, que nos estamos desorganizando, tão ocupad@s na nossa individualidade
O progressivo apagamento de pensar em termos de bem comum; de não considerar a extensão da melhoria social como tarefa própria; de substituir, quando aparece algumha má consciência (fotografia de criança morta no mar) a ação polo slogan ou o mundo virtual; isto tudo encontra um correlato extraordinário na crença instalada em muitas pessoas de que estão mui ocupadas; fariam cousas, fariam, mas, infelizmente, estão mui ocupadas solucionando os seus problemas; temos tantas ocupações…! Estudos, trabalhos, filh@s, dependências, fogar; e treinos, internet, redes sociais virtuais, e emprego ou falta dele, e aulas, e treinos, e internet, e redes sociais, e treinos heróicos, filmes, e televisão, e esse livro que quero ler; ocupad@s demais. Não há tempo para nada. É que não resta tempo para nada…! É verdade que pode que haja quem tenha umha certa desorganização do tempo; que as redes e a internet apareçam como proas de barcos dividindo águas desfazendo o nosso sentido do tempo, desse tempo que não temos… Mas tempo, tempo, não há…

E penso, demagogicamente é claro, então, nas mulheres que levam a sua família para a frente, ajudam vizinh@s, cuidam outras pessoas, passeiam, e trabalham, trabalham, trabalham; e o tempinho que lhes resta é para um mimo ou para um casaquinho para a neta; na moça que trabalha todas as tardes na Cruz Vermelha com emigrantes, estuda, ano a ano, e toma café com a amiga triste. Nada querem em troca desse tempo investido; recebem o alento do inexorável, de que outra cousa não poderiam fazer. E vejo tanta gente sem tempo para nada…!, que tenho pena soberba de tantas pessoas sem tempo para nada, tão ocupadas; ou das que cobram o pouquinho que fazem, que bastante é tudo o que fazem.

Estamos tão ocupad@s, que iremos a terapia o dia que reparemos que não era verdade; que não estávamos tão ocupad@s; que nos desorganizarom, que nos estamos desorganizando, tão ocupad@s na nossa individualidade, que não teremos amig@s que nos escuitem; nem com quem fazer coletivamente: ocupad@s. Que vivemos na grande mentira correlato daquele individualismo feroz: ainda que não o assumanos, ainda que não reparemos nisso; ainda que o neguemos: que cada quem se amanhe. Que a satisfação não seja fazer cousas com outras para que alguém que não sejamos nós (e, de passagem, nós!) esteja melhor ou ajude outr@s a estar melhor; que associar-se para isso era perder o tempo que não tínhamos, tão ocupad@s que estávamos em usar o tempo que não tínhamos. Em vez disso, e saltando por cima destes parvos trocadilhos que aquí escrevo, recuperar a satisfação de fazer cousas para as quais não há tempo que perder em lugar de andar perdendo o tempo, exceto quando for conveniente perdê-lo para voltar ganhá-lo.

Sobre o autor

Elias J. Torres Feijó

Tenta trabalhar coletivamente e acha que o associativismo é a base fundamental do bom funcionamento social e comunitário. A educação nos Tempos Livres é um desses espaços que considera vitais. Profissionalmente, é professor de Literatura, em origem, e, mais, na atualidade, de Cultura.

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Xoán Carlos Carreira Pérez

Doutor engenheiro agrónomo, professor de Engenharia Agroflorestal na Universidade de Santiago de Compostela. Autor de vários livros e artigos científicos, tem colaborado em diversos meios de comunicação, como A Nosa Terra, El Progreso, Vieiros e Praza Pública.

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Polemista e tamén escritor. Autor do ensaio "A Causa das Mulleres". A quen lle interese lelo pode solicitalo neste blog e enviaráselle ao enderezo correspondente sen custo ningún do exemplar nin do transporte.

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Espaço público, Cultura, Política, Comunidade, Território, Pessoas… Viva Cerzeda é a comemoração, para nós, da amizade, do bom humor sempre que possível e de tentar contribuir com algumhas ideias e opiniões para entender(mos) e atuar(mos) do melhor modo o mundo… É ambicioso mas é-che o que há… e para mais não damos…

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