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-om vs. -ão… E um corolário sobre coesão galega

I. ón, ón, om, ão, percursos…

Nunca imaginei que acabaria publicando textos, livros incluídos, na Galiza e em galego com a forma –ão, como em tempos recentes acabei de fazer. Como reintegracionista, e assim o manifestava muitos anos atrás a algum colega nas minhas aprendizagens, esse era o elemento linguístico, gráfico, que considerava a principal baliza, ou umha das mais relevantes, para umha unificação plena com as outras variantes do galego (,) no mundo dito português. Mais que pelo, que dois, e que todo o conjunto de irregularidades dos verbos.

Mas mudei de posição, ao menos temporária e pontualmente; talvez de modo indefinido e sistemático, não sei ainda.

Obviamente, não interessa aqui a minha particular trajetória normativa, per se, mas vou utilizá-la, na sequência do artigo anterior, para definir algumhas posições e mais algumhas dúvidas.

O meu quadro de situação é, aos efeitos que aqui importam, o do nacionalismo de finais da década de setenta e inícios de oitenta, vinculado ou dependente, digamo-lo assim, do Bloque, nas suas diversas expressões partidárias ou entornos associativos. Quanto à língua, eu ao menos, sem ensino regrado, não sabia como escrever ou que palavras utilizar (hoje continuo consultando) e até olho com ternura inevitável e algum corar de rosto escritos meus daquela (incluindo algum poema de concurso colegial); suponho que tudo era eclético, em função das leituras, entre as quais, o Sempre en Galiza, Memorias dun neno labrego, Xente de aquí e de acolá, e as Farsas para títeres com que estudávamos, em tempo fora do horário escolar, aqueles estudantes (poucos, por não dizer quatro) que, no colégio, pedíramos aulas de galego quando estas ainda não estavam introduzidas no ensino de modo oficial e estendido. Ainda lembro quando quigem fazer um exame em galego em COU e o professor me fizo notar (ou me ameaçou, ao menos no meu sentimento) que levaria o meu exame ao Instituto da Lingua Galega e que, se tinha mais de três erros, reprovaria (não, penso que as minhas diferenças com o na altura para mim incógnito ILG venham dessa circunstância…).

Depois, na faculdade, a esfera, em geral, do Bloque, era de mínimos (reintegracionistas). Algumha lógica indicava que, se havia mínimos era porque se aspirava aos máximos, ainda que, depois, passou(-se) o que (se) passou… Mas aquilo dos máximos, de que havia já primeiras pessoas partidárias, ficava mui longe, ao menos para mim… E ameaçador, até, por senti-lo distante, desnaturante, em tempos politicamente convulsos, vividos de perto no ambiente da USC e no da Faculdade de Filologia. Em geral, no âmbito da esquerda galeguista, cada âmbito político-partidário tinha a sua norma… e as NOMIG estavam fora de foco para muitas, pertenciam a outro quadro, ou âmbito… Deixemos isto aqui, porque do que trato é de explicar as lógicas. O contato com os estudos de língua e literatura portuguesa melhorarom em gente a opinião reintegracionista, embora as propostas de Rodrigues Lapa a que se acedia provocavam rejeitamento por serem sentidas como umha pura absorção e desnaturar, mais ainda, a afetividade identitária com que, ao menos eu, me movia e geria…

Na verdade, no meu caso, fum recuperando e ganhando afeto polo mundo português e, ao ir estudando cousas e acontecimentos passados, reparei em que o galeguismo só avançara quando dera e praticara passos audazes; e, assim, passei para a prática reintegracionista, da Norma (histórica) da AGAL, fazendo evoluir aquela afetividade identitária para outros lados… Bom, há mais complexidade nisto, mas, como indicava, do que quero tratar é dumha lógica…

A partir de aí, dedicado profissionalmente ao estudo da literatura e da cultura em língua galega/portuguesa, fundamentalmente da Literatura Portuguesa, escrevim e publiquei, sempre que pudem e a algum custo, os meus trabalhos na Norma AGAL, também fora da Galiza, praticando oralmente a nossa variante, mesmo quando tivem responsabilidades diretivas em diversas atividades, entre as quais, a presidência dumha sociedade científica internacional dedicada a estes estudos. Ali, mesmo defendim a possibilidade de colegas da Galiza poderem publicar os seus textos conforme as NOMIG da RAG-ILG (fruto, entretanto, dumha leve reforma resultado do acordo político entre entidades sustentadoras dos NOMIG, que, polos visto, não implicavam máximos e sim outras cousas, por outras lógicas), cousa que assim aconteceu.

E o tempo passou e apareceu no horizonte a prática do Acordo Ortográfico e a sua eventual assunção por parte dos membros da CPLP (eu não gosto do AO90 mas, como galego e reintegracionista, valoro mais o acordo que o acordado). Nesse novo estado de cousas, tornava-se para mim pertinente e perentório que a AGAL fixase um inventário cultural e político de formas linguísticas genuínas que manteríamos num futuro de maior aproximação e assim o manifestei quando e a quem tivem oportunidade, insistindo em que estávamos perante um desafio que não era linguístico mas cultural e político. A ideia de que havia três normas, portuguesa, brasileira e galega (bem manifestada pola adaptação de textos entre Portugal e Brasil), podia, em parte, desfazer-se com a implementação do acordo, ao menos no âmbito ortográfico, e convinha reagir. Havia mais um fator conjuntural, caminho de estrutural: os mínimos desapareceram; a possibilidade de acordo normativo com a RAG-ILG não estava nem no espaço dos possíveis; e o galego perdia, a cada dia, utentes e defensores; o conceito de normalização como processo de recuperação estava já, passadas décadas de liberdade de escolha, obsoleto: esse, para o galeguismo, pareceria que deveria ser o verdadeiro e mui concreto drama; que, e por parecer, parece não ter muita solução; mas ninguém, a começar por responsáveis no âmbito da política cultural (não só da Xunta ou dos partidos), parece ter umha solução e, não a tendo, parece que não quer cruzar o corredor e petar noutra porta, a perguntar se @ outr@ a tem; porque, parece, é mais importante a própria posição que a solução que toda a gente diz invocar ter e procurar, com generosa atitude para o povo (que, dito seja de passagem, pouco parece importar-se em geral com o assunto); parece, tudo parece; porque parecer e aparência parecem ser a matriz de tudo…

II. O Acordo Ortográfico de 90 e o binormativismo

Enfim, voltemos: era tempo de avançar (para algumhas pessoas, fugir para a frente; para mim, ser audazes). E se o –ão era para mim avesso, vale a pena pensar que onde hoje uns lêem ditongo nasal, outros não o farão e que, dentro de duas gerações, já não se interrogarão sobre o assunto nem sobre ele problematizarão e normalizarão a pronúncia à galega (e à perdida de parte portuguesa), pronto, acabou (ou não, e acontece o que historicamente aconteceu em Portugal, pola imposição, sobretudo a partir do século XVIII, do ão e a sua pronúncia ditongada; mas isto é outro tema; e seriam pequenas perdas…). Pior é o caso dos verbos irregulares, por exemplo, ou soluções que exigem incontornavelmente pronúncias estranhas ao comummente aceite como genuíno galego… Afinal, tudo será pedagogia de pertença e elaboração de afetividades identitárias.

Nesse quadro, o uso do ão na Galiza por parte de galegas/os atinge, para mim, um instrumento de elaborar normalidade galega a respeito das outras normas do português, em parte o fomento dum continuum. Sem por isso afastar a dúvida ou a incerteza; mas com vontade propositiva do que acho melhor coletivamente… Quer dizer-se: apesar de não gostar e de dificilmente me identificar com essa forma, praticá-la como veículo, ponte, achegamento. Para mim, essa solução, como outras, implica renunciar, conscientemente, a aspetos da norma que melhor espelha o galego e a sua relação como co-dialeto (para utilizar umha expressão de Leite de Vasconcelos formulada há mais dum século) com os outros dialetos da língua conhecida no mundo como português: a (histórica) Norma da AGAL.

E, nestas, apareceu a proposta de binormativismo. Umha proposta audaz, que tem valor já de seu por propor, por formular umha nova possibilidade, voltada à defesa e promoção do galego e com proclamado sentido inclusivo frente ao imobilismo e ao evidente impasse, já quase estrutural, em que estamos. Salta por cima do conflito normativo nos termos historicamente colocados e enfrenta umha legitimidade a outra já legitimada (o português), não por legitimar (caso da Norma histórica da AGAL): boa! Provavelmente, dum ponto de vista racional, de futuro da língua como elemento estendido na Galiza e com capacidade coesiva, deveria-se esperar um abraço franco à proposta. Deveria-se… E até, se calhar, no futuro (como o futuro é incerto também na sua extensão, pode falar-se nestes termos), será assim.

Mas essa formulação condena à ilegitimidade a razão de ser da nova legitimidade (e não é um jogo de palavras): a razão de ser da proposta do uso do português standard assenta no reintegracionismo precisamente representado pola AGAL desde 1981 e da sua consequente proposta normativa. E, enquanto houver utentes da mesma, qualificadamente, ela é opção que deve estar presente; também porque não representa umha codificação que pudesse ser invocada como incógnita para o galego nem distante daquele standard: se se pensar, como penso, que a proposta visa capacitar as pessoas nas duas normas e que elas podam ser usadas polas pessoas nas suas relações com a administração ou mesmo no quadro escolar, além das outras circunstâncias sociais que desejarem, naturalmente, com independência de que a norma usada pola administração ou a escola sejam as NOMIG. Aliás, nunca se sabe o que o pessoal pode decidir se o informam e o deixam (ainda que parece claro que, em questões de uso linguístico, a decisão até o momento é clara: espanhol, de uso monolingue).

Mas, enfim, este é um escrito utópico, de ciência ficção. O galego continua o seu caminho residual, absorve muitas das energias galeguistas, despista, impede enfrentar outros problemas (mesmo alguns culturais, de enorme importância, como a nossa mais ou menos comum visão do mundo ou de modos de vida, veiculados também linguisticamente). Convém, acho eu, irmos passando para primeiro plano outras afetividades identitárias e afetivizando identidades (tenho já falado da alimentação/gastronomia ou do território) e outros items e esforços de coesão, mesmo alguns mais cívicos e menos orgânicos (por exemplo, exercer soberania tomando decisões económicas, políticas, sociais, etc., sem esperar a queixar-nos a/com Madrid) e valorizar toda a nossa histórica e presente produção científica, tecnológica ou artística, de elites e populares.

Mas, aqui estamos, nos nossos parece, salv@s, sempre no imaginário, e parece que chega.

E, frente a isso, acho que há um caminho, mais inclusivo e integrador por percorrer, mais plural e coesivo, mais otimista e mais satisfatório, se integrarmos e fomentarmos algumhas dessas ou outras ideias valiosas, como identidades afetivas, como afetividades identitárias, se relativizarmos (atitude que acredito é mesmo caraterística da nossa comunidade), que estão já, ou algumhas podem vir a estar, no sustento da nossa coesão.

Sobre o autor

Elias J. Torres Feijó

Tenta trabalhar coletivamente e acha que o associativismo é a base fundamental do bom funcionamento social e comunitário. A educação nos Tempos Livres é um desses espaços que considera vitais. Profissionalmente, é professor de Literatura, em origem, e, mais, na atualidade, de Cultura.

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Elias J. Torres Feijó

Tenta trabalhar coletivamente e acha que o associativismo é a base fundamental do bom funcionamento social e comunitário. A educação nos Tempos Livres é um desses espaços que considera vitais. Profissionalmente, é professor de Literatura, em origem, e, mais, na atualidade, de Cultura.

Xoán Carlos Carreira Pérez

Doutor engenheiro agrónomo, professor de Engenharia Agroflorestal na Universidade de Santiago de Compostela. Autor de vários livros e artigos científicos, tem colaborado em diversos meios de comunicação, como A Nosa Terra, El Progreso, Vieiros e Praza Pública.

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