Espaço público, Cultura, Política, Comunidade, Território, Pessoas

Perder a esperança

La era está pariendo un corazón
(Silvio Rodríguez)

No ano 1992, quando se avizinhava para Boff e para a editora Vozes mais umha punição da hierarquia eclesiástica católica, o teólogo brasileiro afirmara ter perdido a esperança, que é pior, dizia, que perder a fé. Na Vozes publicara Boff o seu Igreja, Carisma e Poder, que tivem a oportunidade de ler em meados de oitenta, um livro basilar para entender a Teologia da Libertação mas, sobretudo e polas suas consequências, as razões da hierarquia católica contra aquela interpretação teológica, que perseguiu Boff até que este deixou a Ordem Franciscana. Pola reação dessa hierarquia (que pode ler-se, em termos doutrinários, na carta sobre o livro assinada por Joseph Ratzinger), pode bem perceber-se onde estavam os aspetos mais gravosos para o Vaticano da/na altura: em geral, um relativismo que estaria pondo em causa a existência e obediência a essa hierarquia.

Há mais, claro, mas isto é-me suficiente para o que quero comentar. Fé é crença, esperança é vontade. Brasil era/é considerado o país com maior número de pessoas católicas do mundo. Se alguns líderes católicos como Boff perdiam a esperança, deixavam de lutar desde aquele espaço religioso; essa marginalização era fundamental para acabar com a Teologia da Libertação, como projeto e como realidade. E acabarom com ela, em boa medida e entre outras cousas pola lealdade à Igreja de algumhas figuras significativas dessa TL e pola aceitação da perda de recursos e infraestruturas para difundir a sua mensagem.

A esperança é motor da ação e da transformação, em todos os âmbitos: no profissional, no pessoal, no político, no social, no cultural, no económico, no vital. As pessoas fazem cousas porque tenhem expetativas nos seus efeitos.

Acontece isso em todas as escalas, desde a pessoal, familiar ou local até à transnacional e mundial.

Perder a esperança leva para um estado de resignação (a aceitação da impossibilidade). Na atualidade, intensifica-se um conjunto maciço de notícias falsas e meias-verdades por parte de muitos grupos que detentam poder, do mainstream social, do neoliberalismo, a que se unem narrativas que visam convencer dos seus programas, certamente, mas cujo efeito fundamental é que as pessoas pensem que não há esperança (ou não outra da que eles oferecem), que a mudança não é possível, com corolários de que, afinal, tod@s (na política, mui principalmente, mas também noutro tipo de atividades ou responsabilidades) são iguais (de más/maus, de corrut@s, …) e que não há nada a fazer. Identificar partes com o tudo ou fazer da atividade sinónimo de quem (malfeitamente) a pratica são algumhas das táticas.

Elaborar narrativas complexas (por que é cara a energia elétrica se não custa o que é cobrado produzi-la) ou sumárias (a imigração é perversa e contrabandeia com muitas pessoas indesejáveis) é outro dos mecanismos exitosos: renunciar a entender ou pensar que se compreende tudo é o efeito para que nada mude e para que determinados grupos e ideias aumentem o seu domínio social. O egoísmo é a principal via de penetração. O que foi denominado ObamaCare era combatido polos agentes opositores de maneira simples: não tenho por que pagar a saúde de outra pessoa; lógico, não? Cada quem que trate da sua. E, se se invocarem princípios de solidariedade, a resposta, implícita ou explícita é simples também: O altruísmo não tem hipótese de existir, não porque eu não queira mas porque @ outr@ o usa ou recebe inadequadamente.

Porque a perda de esperança é igualmente, muitas vezes de forma inconsciente, desejada por pessoas nos seus dilemas éticos: exercê-la demanda esforços e investimentos e perda de confortabilidade mas a ela sinto-me compelido polas minhas convicções. Se resultar evidente ou me convencer de que não há possibilidade de mudança, ficarei (a) salvo. Ergo, estou fundamentalmente aberto a essa evidência e convencimento e menos para narrativas contrárias a eles. E, para isso, deito mão de todos os mecanismos anteriormente comentados, e doutros…

Esses discursos não apenas somam adesão aos seus programas por parte de setores sociais; sementam dúvidas, receios, desconcerto que deixam muitos outros paralisados, imóveis; ganham espaço para a inação das pessoas e para a justificação da insolidariedade. E sementam medo, medo que vai constituindo a nossa estrutura social, a crença de que qualquer mudança é impossível e que só o estatismo, a inércia ou o reforço da violência institucional garantem a segurança.

Talvez, o antídoto a isso tudo seja colocar como premissa maior os valores de que queremos nutrir-nos e, desde eles, identificar onde está e em que deve consistir a esperança, como objetivo e como prática. E alimentar-nos das outras esperanças coincidentes com esses valores a que não podamos responder de modo ativo. Conhecer quem está de cada lado e para quê para saber de que lado estar(mos).

Sobre o autor

Elias J. Torres Feijó

Tenta trabalhar coletivamente e acha que o associativismo é a base fundamental do bom funcionamento social e comunitário. A educação nos Tempos Livres é um desses espaços que considera vitais. Profissionalmente, é professor de Literatura, em origem, e, mais, na atualidade, de Cultura.

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Doutor engenheiro agrónomo, professor de Engenharia Agroflorestal na Universidade de Santiago de Compostela. Autor de vários livros e artigos científicos, tem colaborado em diversos meios de comunicação, como A Nosa Terra, El Progreso, Vieiros e Praza Pública.

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